Tô Lendo: Necropolítica

Livro: Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política de morte.
Autor: Achille Mbembe
São Paulo: n-1 edições Ano da ediçao: 2018.
Páginas: 71

Neste livro, o filósofo camaronês (professor de História e Ciências Políticas na Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo, e da Duke University, nos Eua) situa a soberania como o poder
máximo de ditar quem vive, escolher quem morre e quais corpos são injuriados, ou seja, o biopoder. O arbítrio soberano é também o de determinar o estado de exceção, cujo o paradigma maior foi o Estado-nazista. Dados esses pressupostos, impressiona a articulação própria que Mbembe faz de Foucault, Schmitt, Gilroy, Agamben, Fanon, Arendt e Deleuze-Guattari, entre tantas outras fontes referenciais ao debate nestes tempos de neoliberalismo pós-colonial.

Sumariamente, procuro tecer alguns dos pontos que se destacam. Escolho, de partida, a constatação pelo autor de que a crítica política atual indica a anomia das democracias, como se sabe, nascidas na modernidade e calcadas na razão e na autonomia do sujeito. Feita a passagem das execuções ritualizadas pelo ancien régime para a guilhotina como
“‘democratização’ dos meios de eliminação dos inimigos do Estado”,subsiste uma descendência
desses modos de morte após a fusão singular de razão e terror na Revolução Francesa.

Esse vínculo não se daria somente com a utopia iluminista, mas com a busca da emancipação
do capitalismo, pois, ao afirmar a posse da lógica da história, o marxismo clássico levou ao
comunismo por decreto, mantido pelo terror revolucionário e a militarização do trabalho.

Em outra chave, a escravidão colonial – em particular na plantation – trouxe, na junção do bio-
poder com o estado de exceção, a violência inaudita do racismo (também em sentido amplo) no
Ocidente, que fez da 2ª Guerra uma indutora dos métodos reservados aos corpos dos
“selvagens” para os dos “civilizados” europeus – com grau inominável no Holocausto.

A diferença das guerras na era da globalização é que não visam prioritariamente a conquista,
mas a submissão; são caracterizadas por ataques-relâmpago e por sua espetacularização –
notória na Guerra do Golfo e na do Kosovo.

Desde o fim do século, a evolução das armas de fogo produz os “mundos de morte” e os “mortos-vivos”: vistos de perto como refugiados, crianças-soldado, mutilados, reféns de poderes regionais, grupos periféricos, etc.
O autor pontua que o necropoder inclui o controle pela territorialização, visto no apartheid
(entre outros conflitos na África) e na Palestina colonizada, onde disciplina e biopolítica são
reunidas sob a “soberania vertical” – na qual, por ilustração, os pilotos sequer veem o sangue e
a miséria de suas vítimas.

Lateralmente, as “máquinas de guerra” são formações para pilhagem e comércio em redes
transnacionais. A “gestão” das multitudes se dá pelos massacres (a exemplo do genocídio de
Ruanda) e dilui-se a fronteira entre Estado e o mercado da coerção – milícias, exércitos e
vigilância privados, etc.

Voltando ao conflito árabe-israelense, o autor figura o homicídio-suicídio do “homem-bomba”
como um dos ápices do terror, que, paradoxalmente, implica seu limite: pela morte de mãos
dadas, o corpo duplo do mártir escapa metafórica e literalmente da temporalidade e da política.
Enfim, as formas contemporâneas que subjugam a vida ao poder da morte (a necropolítica)
embaralham resistência e sacrifício, martírio e redenção, horror e liberdade.

O ensaio, publicado pela primeira vez em 2003, promoveu a difusão do termo, e permanece
leitura incontornável, sobretudo neste momento de ameaça à democracia no mundo e no Brasil.

André Nepomuceno

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